segunda-feira, 30 de março de 2015

11/03/2015 - Meu parto, roubado.

Foram nove longos meses de expectativas e muito muito estudo.
Quem me conhece ou acompanha aqui ou no facebook sabe como eu desejei um parto normal e como me preparei pra isso. Acho que nunca estudei tanto pra alguma coisa, nem mesmo quando realizei a prova do Enem anos atrás. Mas, infelizmente, a prática nem sempre segue a teoria, e toda a preparação que eu tive não foi suficiente na hora de bater de frente com o obstetra, a pressão externa e as inseguranças desencadeadas pela circunstancia. Fui mais uma vítima do sistema.
Sim, minha filha nasceu linda e saudável, mas isso não me faz ter nenhum orgulho e satisfação com o meu "parto", e definitivamente isso não vai me converter em uma pró cesárea eletiva. Meu ativismo pelo parto normal continua e agora mais do que nunca eu tenho domínio pra dizer que "Não, não vejo nada de bonito, especial ou confortável na cesárea".


No dia 10/03, terça-feira, fomos ao hospital Daniel Lipp em Caxias para uma consulta. Eu estava na 41° semana de gestação e havia toda uma preocupação generalizada por se aproximar a 42° e não aparecer nenhum sinal de trabalho de parto.
Eu me sentia bem, e sentia que a Eva também estava bem. Todo o pré-natal tinha sido muito bom e consistente, então eu basicamente topei ir lá apenas pra confirmar minha intuição, numa esperança ingênua de confortar a família e consequentemente ficar mais tranquila.
Fui atendida por um médico simpático até. Ele deu uma olhada na minha cartilha de pré natal, ultras, mediu minha pressão, ouviu os batimentos dela e fez um exame de toque. Tirando o último, tudo estava ótimo e em conformidade com os resultados que obtive ao longo da gestação, porém, eu permanecia sem dilatação e Eva continuava "alta".
Como eu estava munida de informação, eu sabia que nenhuma dessas duas coisas era um problema de fato. Eu ainda teria uma semana, e se nada mudasse, o trabalho de parto naturalmente se encarregaria de encaixá-la e da dilatação, normal. Se não havia nada de errado com a gente, não tinha como prever que a coisa não iria acontecer como se espera até que a hora H chegasse. Mas, 41 semanas + nenhum sinal de tp + bebê alto + plano de saúde...  Eu já farejava o que viria, e comecei então meu próprio apedrejamento mental por ter acreditado que seria possível sair daquela consulta como eu tinha suposto.
O obstetra começou dizendo que eu poderia sim esperar até a próxima semana, só que seria "importante" fazer um doppler pra analisar a circulação sanguínea e principalmente a placenta, uma vez que "corria-se o risco" de sua qualidade estar ou ficar inferior "em função do tempo avançado" da gestação, sendo assim, o ultrassom "me daria mais segurança" pra esperar até a 42 semana. Feito isso, então ele sugeriu voltar lá no dia seguinte com o resultado para que o GO plantonista desse uma olhada; Depois comentou que particularmente "ele não costuma deixar suas pacientes passarem da 41° semana" e que se eu tivesse ido lá mais cedo, como o centro cirúrgico tinha ficado livre, ele teria me internado e feito a cirurgia naquele mesmo dia. Bem assim, na lata. Pelo menos foi sincero

Bom, era fato que eu não conseguiria uma doppler pro dia seguinte, então tudo o que eu tinha que fazer era decidir se voltava lá no dia seguinte ou não. Eu sabia que o outro plantonista também seria a favor da cesárea, já previa tudo que ele poderia falar.
Com o que o médico tinha dito, a tensão externa aumentou (com exceção do Ian, que deixou nas minhas mãos e concordava que podíamos esperar mais). Sem o ultrassom pra assegurar que estava tudo normal, as preocupações ganharam mais força e por mais que a lógica e as evidências estivessem do meu lado, não eram suficientes para convencer.
Fora isso, eu comecei a entrar num conflito interno com o que poderia acontecer se eu decidisse esperar, exemplo: Chegar na 42° semana, o tp não engatar ou demorar muito e aí me colocarem na indução e eu não gostava nada da ideia dessa possibilidade; Contrações mais dolorosas, recuperação mais difícil nos intervalos, mais intervenções desnecessárias, etc. Também não teria meu parto como desejava, sem falar que as chances de acabar numa cesárea no fim das contas seriam grandes. Dava até pra imaginar as desculpas (ou talvez realidade)... "sofrimento fetal", "presença de mecônio" e afins. Tenso. O tempo estava contra mim, e agora, minha mente também.

Voltamos no hospital no dia seguinte bem cedo e aconteceu exatamente o que eu imaginava e temia. O GO plantonista fez tudo o que o outro tinha feito com a diferença que saí da sala dele com a papelada para internação. Tchau parto normal.

Sorte ter bebido um suco e comido uns biscoitos ao acordar, pois fiquei quase dez horas em jejum.
Não sei definir o que eu pensei e senti naquelas horas enquanto esperava no quarto. Acho que nada. Eu estava num estase, mas não daqueles prazerosos e relaxantes.
Felizmente - pelo menos -, eu dividi o quarto só com mais uma moça (ela também fez cesárea), então passamos a tarde conversando junto aos nossos esposos. Alias, se não fosse por termos conhecimento da lei, Ian se quer teria assistido a cirurgia ou passado a noite. O hospital tem esse protocolo interno ilegal de permitir apenas acompanhantes do sexo feminino, e pra assistir ao parto o médico precisava autorizar, mas o Ian deixou claro que se ele não pudesse entrar, eu nem seria internada ali, e mais tarde deu jeito de também ser meu acompanhante.

Ele, na verdade, seria a pessoa mais qualificada pra escrever meu relato. Ele sim esteve em posição e condição de ver tudo pra poder contar. Eu? Deitada, grogue por causa do medicamento no soro, incapaz de me mover por causa da raqui e dos braços amarrados, com uma cortina sob meu busto bloqueando todo o meu campo de visão. O que posso melhor é relatar o preparatório para a cirurgia quando ele ainda não tinha sido liberado para entrar e eu estava plenamente consciente.

Embora eu transpirasse horrores no caminho até o centro cirúrgico, me surpreendo com a força psicológica e emocional que sustentei até o "grande" momento. Não apenas pela decepção, mas por causa da minha leve fobia com ambientes hospitalares. Aquela sala era angustiante! Um péssimo lugar pra receber um novo ser humano, e toda aquela aparelhagem e profissionais? nada daquilo me transmitia a tal segurança que o hospital dá a maioria das pessoas.

Até onde me lembro, a sala era super iluminada, refrigerada e organizada de uma forma que deixava a maior parte do espaço livre. No centro ficava a "cama" onde eu fiquei sentada por alguns minutos. O medicamento que o anestesista colocou no soro fez efeito quase imediato, me deixando tonta e leve. Acho que já estava tremendo naquele momento, mas não necessariamente como efeito colateral da intra-venosa.
Depois de uns minutos, o anestesista veio com a raquidiana. Mexi muito; Quando ele aproximava a agulha nas minhas costas, dava aquele arrepio na espinha e eu me contorcia involuntariamente. Ele e a enfermeira pediram pra eu não me mexer, mas não era algo que eu conseguia controlar. Felizmente, não deu nenhum problema.

Rapidamente, comecei a sentir um calor subindo dos pés até a perna junto de um leve formigamento. Foi só aí que eu me deitei e eles começaram a preparar o "cenário"; Fui despida e enquanto iam cobrindo algumas partes do meu corpo, montando a cortina, amarrando meu ante-braço e passando algum treco pela minha barriga, o formigamento aumentava num ritmo acelerado, logo alcançando meu baixo ventre - tanto que eu mal senti colocarem a sonda. A sensação evoluiu de um adormecimento para uma incapacidade total de mover minhas pernas e pés. Na barriga, quando deslizavam a gaze (ou já estavam me cortando?), parecia que ela descolava um velcro da minha pele.. Uma sensação meio bizarra, mas nada dolorida. E isso foi a última coisa que eu senti dali pra baixo até horas mais tarde.
Todo esse processo de preparação pareceu demorar bem mais do que o período de tempo em que creio que o médico começou a me abrir até o choro da Eva, e ao mesmo tempo, aqueles foram os minutos mais longos da minha vida.
Ian já estava na sala nessa hora, e me confortava ao pé do ouvido lembrando disso.


Mesmo grogue, eu tentava ouvir o bip do meu ritmo cardíaco e esperava ansiosa por algum sinal dela, que chegou com um choro alto. Infelizmente eu não vi quando ela saiu (melhor dizendo, foi retirada) de mim. Não vi como fizeram isso e o que fizeram com ela depois. Eu ouvia a equipe fazendo comentários sobre ela ser cabeluda e bonitinha misto ao seu choro intenso que certa hora ficou estranho porque, creio eu , a aspiraram. Lembro-me também da voz do Ian falando que não queríamos que aplicassem o colírio de nitrato de prata (algo que eu havia pedido veemente mais cedo pra ele fazer quando chegasse o momento), e pelo menos esse item do meu plano de parto aconteceu. Então soltaram meus braços, trouxeram ela enrolada para perto do meu rosto e tiraram algumas fotos pra gente. Eu mal visualizei o rostinho dela no estado em que eu estava.

Meus batimentos caíram um pouco enquanto me costuravam (eu acho que faziam isso nessa hora) e tive aquele pensamento recorrente e estúpido de que iria morrer ou algo do tipo, mas sabia que não. Daí, minha memória dá um salto para eu sendo colocada na maca > me passarem para a cama + me colocarem uma espécie de fralda > Eva sendo colocada perto de mim.
Infelizmente eu nem sei dizer quanto tempo ela ficou ali, minha reação, como ela estava, pois eu estava muito sonolenta e fraca. Outro incômodo também era o efeito da anestesia que persistiu por algum tempo (eu pedia o Ian para mexer e contorcer um pouco os meus dedos na tentativa de diminuir a agonia) e a ausência de um travesseiro, que de acordo com a enfermeira, era pra evitar que eu ficasse com cefaleia por causa da raqui.
E então eu apaguei e dormi por algumas horas... ou minutos (?). Minha noção de tempo era nula. Só sei a hora que Eva nasceu por causa da pulseira de identificação: 20h20m.


A verdade é que não há nada de especial na cesariana, exceto quando ela salva uma vida.
Não posso defender dizendo que "ah, mas ela trouxe minha filha e isso é especial".. Não. Ela não "trouxe" a Eva. Ela TIROU a Eva de dentro de mim, onde ela ainda estava muito bem, obrigada, e se "pelo menos ela nasceu com saúde", isso não é mais do que obrigação da equipe cirúrgica, uma vez que minha filha estava completamente saudável até então, e a responsável por isso fui eu que a gerei por nove meses e policiei meus hábitos.
Na cesárea eu não sou protagonista do meu parto, tampouco minha filha. O ambiente é frio, os profissionais são indiferentes e eu não vejo como me emocionar com a situação, pois ela não me oferece nada pra sentir envolvida. Eu estava ali, mas estava longe, levada pelo efeito dos medicamentos no soro e da anestesia. Eu estava ali exposta para estranhos que viam a mim e a Eva como mais uma, sendo aberta e costurada, vulnerável e incapaz de monitorar o que faziam com a minha filha, que não apenas chegou ao mundo no susto carregada e esfregada por estranhos, mas foi também impossibilitada de se juntar a minha pele e seio imediatamente após sair de meu ventre e encontrar os olhares afetivos de seus pais...
Pensar que ela não se lembrará de nada também não torna a coisa mais aliviante... eu vou lembrar, pois o que era pra ser o momento mais memorável da minha vida, é apenas um conjunto de lembranças majoritariamente desagradáveis e cheio de lacunas. 

Obs: O relato do pós operatório eu conto no próximo post. Aguardem.

3 comentários:

  1. Oi Ingrid. nossa, que relato triste. eu também não tive o parto dos meus sonhos. sofri o suficiente pra nunca mais me esquecer de tantas coisas que se eu pudesse, teria evitado. + em fim. nem tudo é como a gente quer ou deseja. parabéns pela eva.....

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Olá Ingrid. Finalmente consegui um tempinho para vir aqui te visitar hehe.
    Que pena que seu parto não foi como o planejado. Acompanhei os seus planos e eles me ajudaram muito a montar o meu. Não digo que espero que você se esqueça dessa experiência, até porque seria impossível, mas espero que, um dia, não doa tanto em você não ter participado do nascimento da pequena. Ela é linda e tenho certeza que trará muitas alegrias a você e seu marido.
    Um grande beijo

    Vidas em Preto e Branco 

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